Entrevista com Marcelo Freixo
- 8135realengo2
- 31 de ago. de 2016
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Marcelo Freixo e equipe do "Corta pro CP2" (da esquerda para direita): Lucas Torres, Miriã Rodriguez, Eslen Andrade e Mariana de Carvalho.
Repórter: Nós, como ex-alunas de escolas municipais, sabemos que um dos maiores problemas da educação é a qualidade do ensino e que a solução seria investir no setor, mas, se tantos prometem isso por que quase nunca é suficiente?
Marcelo Freixo: Porque isso é muito mais presente nas propagandas eleitorais do que nas políticas públicas. Não há nenhuma força política, seja da direita ou da esquerda, de qualquer lugar do mundo que não considere em seu discurso a educação como prioridade. Isso não significa que a educação seja efetivamente prioridade e por uma razão muito simples, qualquer país que a tenha como prioridade vai trazer mais consciência política para o país, e trazer mais consciência significa uma possibilidade de mudança política no país e nem toda elite política está disposta ou tem interesse nessa mudança efetiva, no processo de conscientização, no processo de opinião crítica. Hoje, muita gente defende a ideia que as escolas sejam supostamente neutras, não falem dos grandes problemas, esse projeto da “Escola Sem Partido”, que é inconstitucional, tenta matar a essência da escola, o que é também um bom debate pra gente fazer em qualquer espaço. Escola tem que trazer qualidade, tem que trazer consciência, tem que aprender, tem que fazer com que o aluno aprenda a ler o mundo, como dizia Paulo Freire. Então, tem que ter política pública, tem que ter investimento em horário integral, investimento na qualidade profissional do professor, tempo de planejamento. Ou seja, investimento em educação tem que se transformar em algo concreto em termo de política pública, e é isso que muitas vezes não acontece.
R: Sobre o tema do debate “Democracia na escola”, qual seria o efeito social das diferenças de uma educação de qualidade e uma puxada por um regime ditatorial, onde por exemplo, a autonomia do professor em sala de aula é constantemente ameaçada?
- Mais do que a autonomia do professor, a autonomia da escola ao fazer seu projeto pedagógico à partir de uma relação democrática, onde aluno, pai, morador... Onde a escola possa ser um instrumento de transformação da realidade local. Então uma escola em Realengo ela tem que conseguir alterar o dia-a-dia de Realengo, pensar no dia-a-dia de Realengo, ser importante para o bairro onde ela está sendo situada. Então essa autonomia, mas além do que a autonomia do professor em si, a autonomia de um programa, de um projeto pedagógico é essencial e é isso que transforma a escola num pólo de garantia da democracia. Em qualquer região ditatorial, seja civil ou militar, mas em qualquer ditadura, a escola passa a ser uma ameaça, passa a ser controlada. Não é à toa que na época da ditadura civil militar do Brasil, nós tínhamos espiões em sala de aula, a escola era controlada, havia um controle maior da escola, o que é uma maneira de controlar a sociedade. Quando você quer controlar a sociedade você controla as escolas, não permite a liberdade, não permite a autonomia dessa escola, investe menos na educação porque, quanto mais educação pública de qualidade, mais consciência crítica, mais próximo da democracia o país fica.
R: Nós vemos até hoje efeitos da ditadura militar na educação, como você acabou de falar. As escolas aumentam em quantidade, mas não em qualidade e muitas pessoas acabam relacionando uma educação privada à uma educação de qualidade e, se é responsabilidade do Estado fornecer educação pública de qualidade pra todos, o que você pensa do crescimento das privatizações e da desvalorização da escola pública?
- Na verdade, a desvalorização da escola pública tem a ver com a desvalorização do Estado. A gente vive desde a década de 1990 no Brasil um avanço muito grande no modelo neoliberal. Ele tem como consistência maior o esvaziamento do Estado, ele é do Mínimo e, todo Estado Mínimo é acompanhado de um Estado Máximo de pressão, de controle. Então, uma escola libertária, uma escola pública que tem investimento, que tem autonomia, tempo integral, que tem um aluno e um professor que pensem, isso é uma ameaça ao próprio modelo neoliberal que parte de um princípio que tudo que é público é ruim, tudo que é público não tem qualidade, o serviço e a garantia de qualidade está num modelo de privatização. Esse é o interesse do capital, o interesse de quem ganha dinheiro na sociedade. Então, a gente contrapor a ideia do Estado Mínimo, que o Estado que garanta uma educação pública de qualidade possa sim ser um modelo de educação é, por exemplo, buscar alguns exemplos categóricos do mundo. Os países que têm a melhor educação do mundo são países em que a educação não é privada. Se você olhar a Europa hoje, por exemplo, a escola de qualidade é a escola pública, então, o que é público pode e deve ter qualidade. O problema é que quem está à frente do poder público é quem ganha dinheiro com o mundo privado. Então, é uma disputa mais do que pela escola pública, na verdade, é uma disputa pelo sentido do Estado, sentido do que é público, e a gente tem que tornar isso mais republicano.
R: Agora, última pergunta: Há uma grande desvalorização moral do professor mesmo sendo ele quem forma os outros profissionais. Haveria uma razão histórica para isso?
- É, eu sou professor de história, filho de funcionários de escola pública. Essa desvalorização da imagem do professor vem do processo histórico de uma desvalorização do Estado e de uma sociedade cada vez menos democrática. Você tinha na década de 1970 a escola pública como a escola de maior qualidade. Ainda tem escolas públicas, e olha que a gente está falando de dentro do Pedro II, importante ressaltar isso, que é uma escola pública com grande qualidade, apesar de suas limitações e seus problemas, é uma escola referencia de qualidade. E por quê? Porque tem investimento, tem orçamento, afinal, você dá prioridade quando você dá dinheiro. Não adianta você um discurso que diga que a educação é prioridade e na hora de fazer o orçamento não destinar a verba necessária. E uma das formas que você teve, ao longo desse tempo, de desvalorizar a escola pública foi desvalorizando o profissional dessa escola, não só o professor, também o funcionário. Então, o desgaste salarial faz com que boa parte das novas gerações não queira ser professor. Essa é uma razão da principal crise estrutural da educação: você não tem um estímulo pra que novas gerações se formem como professores e isso precisa mudar. Você precisa ter o professor como referência de uma outra sociedade, de uma democracia. Isso se faz na escolha de um orçamento e na definição de onde você vai investir mais.
R: E qual você acha que seria o papel do Estado nesta situação?
- O Estado não é um ente separado das disputas políticas, o estado está em disputa, então, quem está à frente do estado é que vai dizer se esse estado é Mínimo ou não, se ele vai ter dinheiro pra saúde, pra educação. O Estado, espaço de decisão política, é um espaço em disputa. Os alunos, quando ocupam as escolas estaduais, estão disputando o sentido dessa escola, dessa política, que não se restringe a um debate eleitoral, mas a um debate maior sobre o que é publico e nas mãos de quem tem que estar a decisão do que é público.
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